Diplomatas indígenas relatam experiência em negociações da COP30

O Impacto da Presença Indígena na COP30: Uma Nova Voz para o Planeta

O termo kuntari katu, oriundo das línguas nheengatu e tupi, traduz-se como “aquele que fala bem”. Esse conceito se mostra especialmente pertinente no contexto da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que ocorre em Belém. Este evento, por sua vez, marcou um momento histórico, pois contou com a maior participação de povos originários e comunidades tradicionais da história das conferências climáticas, trazendo à tona questões que afetam diretamente essas populações e suas terras.

O Papel dos Jovens Indígenas nas Negociações

Durante a COP30, jovens indígenas não só estiveram nas ruas em mobilizações, mas também participaram ativamente das complexas negociações diplomáticas internacionais. Essa participação foi possibilitada graças a um programa inovador de formação, desenvolvido em parceria entre os ministérios dos Povos Indígenas, das Relações Exteriores e o Instituto Rio Branco, que visa preparar futuros diplomatas. Batizado de Kuntari Katu, o curso teve a duração de mais de um ano e formou 30 jovens indígenas de diversas regiões do Brasil, equipando-os com conhecimentos essenciais para atuar nas negociações climáticas.

Depoimentos e Experiências

Em uma conversa com três desses novos diplomatas, a Agência Brasil ouviu relatos sobre a importância de suas vozes. Wasady Xakriabá, 28 anos, do norte de Minas Gerais, expressou: “Tudo o que está sendo discutido na COP nos impacta direta e indiretamente. Quando vai para a adaptação, nos afeta; quando se trata de mitigação, também. O financiamento nos impacta, pois apenas 1% desses recursos chega em nossos territórios. Por isso, é vital estarmos presentes nas negociações, falando da nossa realidade. Nós somos nossos próprios porta-vozes, ninguém está falando pela gente”.

Em Belém, Wasady está acompanhando a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, um mecanismo que permite que as questões destes grupos sejam debatidas nas negociações climáticas. O curso Kuntari Katu foi estruturado para treinar os participantes em aspectos fundamentais das discussões internacionais, abordando temas como financiamento climático, mercado de carbono, e a intersecção entre gênero e conservação ambiental. As aulas foram ministradas por diplomatas experientes, garantindo uma formação robusta.

Desafios Enfrentados na Mesa de Negociação

Os jovens do Kuntari Katu enfrentam muitos desafios nas mesas de negociação, especialmente no que se refere à terminologia utilizada. Jean Truká, 24 anos, do povo Truká em Pernambuco, destacou que “a UNFCCC tem um dicionário próprio. Quando alguém tenta introduzir uma nova palavra, pode causar entraves nas negociações”. A luta pela inclusão do conceito de demarcação territorial nas discussões é um exemplo disso, revelando as barreiras que os jovens enfrentam ao tentar articular suas demandas.

Outro obstáculo mencionado foi a questão da língua. Wasady observou que muitas vezes as reuniões ocorrem apenas em inglês e espanhol, o que pode ser um desafio para a participação plena de anciãos e lideranças, que podem não dominar esses idiomas. No entanto, ela enfatizou que isso não diminui o protagonismo dos povos tradicionais na proteção do planeta: “Estamos trazendo não apenas nossas vozes, mas a voz das florestas, dos animais. Somos porta-vozes de tudo que habita nossos territórios”.

A Importância do Programa Kuntari Katu

A idealizadora do Kuntari Katu, a ministra Sonia Guajajara, ressaltou que o curso não apenas assegura a presença dos indígenas, mas também desenvolve suas capacidades de intervenção nas debates. Com representantes já participando de outras conferências, como a COP16 da Biodiversidade e a COP29 do Clima, o programa tem se mostrado essencial para que as lideranças indígenas levem suas pautas para as mesas de negociação.

“Kuntari Katu significa aquele que fala bem. E é exatamente isso que esses jovens estão fazendo: falando sobre suas realidades e sobre a importância dos territórios indígenas para a mitigação da emergência climática”, finalizou a ministra.

Conclusão

A presença dos jovens indígenas na COP30 representa um passo significativo na luta contra a crise climática. Suas vozes trazem uma perspectiva única e essencial, destacando a interdependência entre a proteção dos territórios indígenas e a preservação do meio ambiente. O engajamento desses jovens nos espaços de decisão não é apenas um ato de resistência, mas uma contribuição vital para o futuro do nosso planeta. Precisamos ouvir e apoiar suas vozes para construirmos um mundo mais justo e sustentável.



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